Então é assim que soa quando a gente pensa no? fim? Enfim, é essa a sensação de que algo em você morreu E não há outra opção senão morrer junto Assim É desse jeito que você se sente quando todas as suas forças se esgotaram Quando atropelaram seus pensamentos e sentimentos E tudo que você tinha na cabeça lhe foi roubado Tolhido Guardado pelo incerto Eu me perguntava constantemente se algum dia vocês pensaram em mim do jeito que pensei em vocês Talvez estivesse errado Talvez o mundo estivesse errado Então a culpa é minha de não ser perfeito De não ser aceito De merecer ser sem-jeito com tudo e com todos? Eu mereço o que passei? Mereço o que vivi? Farei algo para mudar o que senti Ou sofrer é o fim?
Será que foi realmente culpa minha? Será que tudo isso que passa pela minha cabeça agora foi culpa minha? Como um pássaro que tentou alçar voo e não conseguiu Eu caio na imensidão No vazio de quem nunca tentou efetivamente
Eu pulei numa vida e nunca consegui voar Eu nasci no ninho de corvos famintos e ignorantes E assim que pude, tive que ir embora Encontrar algum lugar para ficar Voar pelo ar Passando em todos os altares de todos os lares as casas as igrejas as asas que me deram quando nasci para viajar Eu pus uma pata para fora e a outra estava presa no ninho
Eu nunca consegui voar
E caí caí feio num mundo em que ninguém me viu Me debatia interna e externamente para que me notassem tentei fazer o melhor que pude para que as outras aves se lembrassem de mim mas não consegui
Eu simplesmente caí
E fui caindo até agora Hoje, toco no chão Hoje, meu crânio se esfacela no concreto da mais movimentada rua da cidade Hoje tudo que vocês esperavam acontecerá Hoje voarei pela primeira vez Voarei de verdade Logo após esta despedida Farei meu caminho para o telhado do prédio mais alto da cidade e alçarei voo como nunca consegui Eu serei livre, eu serei visto, eu serei feliz Nada no mundo esquecerá que eu existi E nada fará nada para me impedir Eu cairei no chão meus membros se partirão em pedaços e toda a minha carne se espalhará pela cidade Os carros, os transeuntes, os postes, a iluminação Nenhum centímetro de vida desconhecerá a cor vermelha de meu sangue Ninguém se esquecerá de mim
Hoje eu toco no chão
As mulheres gritarão e os homens chorarão As aves não saberão o que fazer Não há dor no planeta comparável a que sinto agora de que minha vida inteira não valeu a pena Foram dezoito anos de lutas ardorosas e eu admito perdi Desisti. Desisti de viver Para mim, não vale a pena A vida não me passou de uma piada de mau gosto dessas contadas pelos tios de alguém no fim da ceia de natal Eu fui o porco da ceia de natal Eu fui o porco de todos vocês Fui o bilhete deixado em cima da mesa fui a chave esquecida sobre o móvel branco Eu fui o desalento e a tristeza o desconforto e a desolação Fui o cuspe que vocês deram no asfalto e a cara de nojo que vocês faziam quando eu chegava perto
Fui tudo de ruim que sobrou na vida de vocês Fui todos os amores incompreendidos todas as sensações não sentidas, todos os desejos insaciados Fui todos os tipos de dores, físicas ou psíquicas que vocês não sararam Fui tudo que vocês não conseguiram sanar não conseguiram curar de que não conseguiram se livrar Fui o pássaro que não voou o porco partido em oito a senhora atropelada e o suicida que pula da ponte Fui todas as dores do mundo
Fui Todas As Torturas Todos Os Campos De Concentração Todas As Mulheres Enforcadas Adúlteras Ou Não E Todos Os Homens Afogados Na Grande Navegação
Hoje eu toco no chão Hoje eu toco no chão
Mãe e pai despeço-me agora já chegou a minha hora eu tenho que subir Subirei aos céus e descerei ao Inferno o meu lugar afinal de contas Espero que me assistam, espero que encontrem isso a tempo de ligarem a Tv e espero que me vejam acenando para vocês Espero nunca mais ver vocês na minha vida nem meus amigos do colégio, nem as psicólogas, nem os terapeutas, nem os dentistas, babás, enfermeiros e parteiros que cuidaram de mim Espero ir para o Inferno também para apenas reconhecer meus verdadeiros amigos as pessoas que eu talvez mereça no pós-vida